quarta-feira, 2 de julho de 2014

FILME> ENCONTROS & DESENCONTROS (Lost In Translation)


Título Original> Lost In Translation
Direção> Sofia Coppola
Roteiro> Sofia Coppola
Elenco> Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris
Páis/Ano de Produção> EUA/2003
Produção> Sofia Coppola 7Ross Katz
Distribuidor> Universal
Lançamento nos EUA> 29 de Agosto de 2003
Lançamento no Brasil> 23 de Janeiro de 2004
Duração> 101 minutos
Orçamento> 4 milhões
Bilheteria Acumulada> -:-

O segundo filme de Sofia Coppola continua a explorar os meandros dos espaços infinitos que não permitem a aproximação e a completude das pessoas com elas próprias e com aqueles que as cercam. Depois da sensação de deslocamento e insegurança vista pelos olhos das adolescentes Lisbon, em Virgens Suicidas, agora temos como acréscimo a melancolia constante e o sentimento de fragmentação do adulto contemporâneo em Encontros e Desencontros.



O filme estende as questões sobre a existência humana e parece brincar com elas, porque, independente de sermos jovens ou adultos, permanecemos com os mesmos medos e inseguranças, a diferença é que em uma fase temos todos os sonhos e esperanças que o mundo comporta e na outra só resta o pragmatismo contemporâneo para justificar a existência humana. Pode haver razões para a irracionalidade dos exageros e arroubos das emoções juvenis, no entanto, o amadurecimento do ser humano surge imposto em sua existência, lhe cobrando, muitas vezes, ações incongruentes com suas experiências... não lhe permitindo, simplesmente, experimentar essa vida em todas as suas possibilidades.


A história segue Bob Harris (Bill Murray), decadente ator que está gravando um comercial em Tókio e seu encontro com Charlotte (Scarlet Johansson), jovem recém-casada, negligenciada pelo companheiro, um fotógrafo workaholic. São estrangeiros em um país onde tudo que os cercam não reflete nem o seu exterior e, tão pouco, seu interior. Quando não obtemos eco do ambiente onde estamos, começamos a procurar segurança nas nossas lembranças e pensamentos. No entanto, se este é frágil, surge a insegurança, o medo e a questão: quem sou eu? O que estou fazendo da minha vida?


     
Bob, Bill Murray surpreendentemente sincero e frágil, não está somente deslocado externamente; o incômodo “interno” é visível em seu intenso olhar, uma mistura de insegurança e procura infantil. Nos primeiros minutos do filme, seus olhos cansados parecem buscar algo que perdeu em algum lugar ou tempo e seu semblante triste é de alguém que não tem esperanças em encontrar "isto" novamente, seus “anos dourados” estão distantes - e o seu emprego o lembra disso constantemente - e agora só existe a melancolia negra e profunda da espera do inevitável.



Já a solidão de Charlotte está na firmação do que construiu até aquele momento em sua vida, resultando no seu precoce casamento. Seus sonhos, desejos e até sua própria personalidade parecem não ter muito valor para o seu companheiro. Então o que vale realmente a pena? Ela está naquela bifurcação da vida onde suas escolhas moldarão o rosto que ela irá encarar todos os dias no espelho – pode ser de alegria, de satisfação, de fracasso ou de tristeza. Em ambos os casos, de Bob e Charlotte, existe uma necessidade latente de “se encontrarem”, mas essa percepção só será possível se ambos forem “encontrados” ou percebidos na sua verdadeira existência, sem máscaras. E em um cenário totalmente estranho, é mais fácil, em toda a sua fragilidade, alguém olhar para você, sem as máscaras de pai, marido ou esposa dedicada; sem essa “vestimenta”, o que resta para explorar é só a essência.


Os dois, apesar de casados, são solitários e seus relacionamentos são mais sociais que sentimentais – em que pese o tempo e o comodismo no que se refere ao casamento de Bob e as expectativas e o medo de fracasso no de Charlotte. Mas basta um momento onde as armaduras estão recolhidas, um estado de presença, sem palavras, na sutileza e a sensibilidade de um verdadeiro olhar, para eles se “perceberem”, no sentido figurado ou literal da expressão. Isso tudo sem apresentações e formalidades, só a naturalidade e a honestidade que surgem inerentemente de uma boa companhia, tão rara nos nossos dias.

Este elo forte entre Bob e Charlote é uma resposta à necessidade de uma conexão verdadeira e única que as pessoas procuram. E em um país estrangeiro esse sentimento pode ser ainda mais forte. Há, com isso, a percepção de que as pessoas que deveriam se importar, escutar e apoiar você - no caso de Charlotte há o marido e a irmã; e, no caso de Bob, a esposa – não atendem às expectativas, e quando tentam não se dão ao trabalho de entender ou simplesmente ouvir... só resta o julgamento e a incompreensão. Então, o sentimento interno é de realmente estar falando outra língua. É doloroso quando, ao telefone, a mulher de Bob indaga a ele - "eu preciso me preocupar com você?", e ele responde - "só se você quiser"; resumindo, o relacionamento deles toma forma na praticidade de uma escolha, como o tipo de carpete do escritório – mais fácil essa decisão ao invés de procurar entender o comportamento de quem está do seu lado. No entanto,  é uma escolha o modo como construímos as relações e as mantemos. 

No outro extremo, Charlote busca de todas as formas entender o que está acontecendo com seu casamento e um dos conselhos que ouve é de um “guru” de auto-ajuda que justifica os acontecimentos a nossa volta com um determinismo conformista, onde, segundo ele, a vida teria sido planejada anteriormente em outro plano. Este pensamento é momentaneamente acalentador por não apontar culpados e nem exigir uma ação de mudança. Mais à frente, em sua prática de Ikebana, ela encontra a resposta que procurava e sua maior lição: no final, é você que decide como "construir" tudo; a beleza está em pensar na melhor maneira de encaixar as peças, com paciência e coerência, para que o resultado seja o mais perto que você conscientemente buscou, mas sempre unindo sua sensibilidade com sua racionalidade.

     
Quando os dois personagens colocam em cheque suas experiências, é perceptível que ambos começam a caminhar para um estado de sujeitos de ação. Bob, na sua maturidade e amargura, diz - "Quanto mais você sabe quem você é e o que você quer, menos deixa que as coisas o perturbem", e ela na sua insegurança e sabedoria responde - "Mas eu não sei quem eu sou". Quando Bob definiu sua personalidade, ele colocou muros à sua volta, não permitindo a possibilidade que houvesse mudanças em sua personalidade. É como se tornar cobaia de algum experimento de Pavlov, sempre respondendo aos mesmos estímulos até a morte. Charlotte, desde o início, é inconformista, ainda existe aquela fagulha de esperança que a coloca em movimento e, conseqüentemente, tem forças para tirar ela e Bob do estado letárgico. 


 Ao final percebe-se a diferença no semblante de Bob, seu ar de satisfação não por ter tido aquela experiência, mas por permitir-se vivê-la. A última cena de intimidade de ambos, abraçados no meio da multidão, com o primeiro beijo e palavras ditas no pé do ouvido – onde só eles sabem o que foi dito, em uma escolha sábia da diretora – é um grande modelo do amor moderno. É esse o recado que Sofia Coppola deixa, com um pouco mais de esperança que em Virgens Suicidas... a vida é como uma ikebana. Outra pessoa que olhar vai enxergar algo estranho, meio sem nexo, uns vão achar bonito e muitos outros vão julgá-lo feio e desengonçado, mas só quem montou sabe como foi difícil harmonizar os detalhes e deixar todo o conjunto belo no final. Talvez, com sorte, alguém olhe para o que você construiu, pare e tenha o mesmo sentimento de completude e compreensão, e a mensagem que Encontro e Desencontros deixa é que sempre tem, é só dar uma olhada mais cuidadosa à volta.
TRAILER> ENCONTROS E DESENCONTROS (Lost in Translation)

FILME> JOVEM & BELA (Jeune & Jolie)



Título Original> Jeune & Jolie
Direção> François Ozon
Roteiro> François Ozon
Elenco>Marine Vacth, Géraldine Pailhas, Frédéric Pierrot, Fantin Ravat, Johan Leysen, Charlotte Rampling, Nathalie Richard
Páis/Ano de Produção> EUA/2013
Produção> Eric & Nicolas Altmayer
Distribuidor> Europa Filmes
Lançamento nos EUA> 16 de Maio de 2013
Lançamento no Brasil> 22 de Novembro de 2013
Duração> 95 minutos
Orçamento> -:-
Bilheteria Acumulada>  -:-  



Após perder a virgindade nas férias de verão, a jovem Isabelle (Marine Vacth) inicia uma vida dupla, prostituindo-se sem que ninguém à sua volta desconfie. Desde a primeira cena do filme, é hipnotizante a beleza da protagonista do longa francês, e, com o decorrer da história de Jovem & Bela, o espectador é enlaçado por sua intrigante e curiosa personalidade, que mais parece uma esfinge enigmática que, presume-se, a qualquer momento quer devorar quem desafia suas ações.




Muitas das críticas que se observa sobre o filme focaram na curiosidade sexual da jovem e sua aparente incoerência dos atos com o ambiente em que ela vive. Desde o início é ressaltado a boa condição financeira e a união familiar como barreiras para qualquer tipo de ação marginal ou, no outro extremo, o vazio de significado que o sexo adquiriu na sociedade contemporânea, principalmente entre os jovens – aqui vislumbrado por alguns como uma fuga da melancolia da vida. Sem desmerecer tais perspectivas, acredito que François Ozon, diretor e roteirista do longa, julga menos o sexo e mais a cultura masculina dominante.


Isabelle traz no rosto os traços delicados de um anjo e seu comportamento contido e polido só esconde um espírito perspicaz e curioso. Em nenhum momento há uma expressão do que se julgaria imoral ou muito menos algo que forneça informações sobre seus desejos, bem diferente da protagonista em Ninfomaníaca, polêmico filme de Lars Von Trier. A cena no qual ela, na praia, se certifica do seu isolamento para fazer topless parece exemplificar o caráter de Isabelle – seus pensamentos e seu corpo não são e não devem ser públicos. Entre essa dicotomia e o relacionamento familiar esboçado, o incômodo que ficou ao final do filme foi: qualquer um(a) pode ser “puta”!  A mais antiga profissão, como dizem, pode ser exercida por sua irmã, mãe, tia. Se a única pergunta que martelar na cabeça do telespectador é “por quê?”, se entra num discurso infinito moralista com poucas e limitadas respostas; para ampliar a discussão, principalmente em uma obra de ficção, tem que se fazer um questionamento tão intrigante quanto o filme propõe: - Por que não?


Em perspectiva, o choque se dá por dois motivos: o personagem é feminino e se prostitui. Agora, tire o foco de Isabelle e coloque as mesmas experiências em Viktor, seu irmão caçula, igualmente jovem e belo e até poderíamos ter duas faces da mesma moeda, mas em uma sociedade machista a história não é bem assim. Ozon delineia isso ao filmar a masturbação feminina e masculina, as primeiras aventuras sexuais dos dois irmãos, ambos expostos pela perspectiva masculina, encarados com espanto no primeiro e com normalidade no segundo. Exemplo de uma sociedade patriarcal que dá o poder de dominar e exercer o domínio sobre o seu sexo e do outro, definindo papeis com regras pré-estabelecidas desde o momento que o pai e mãe descobrem o gênero da criança que vai nascer. Está arraigado os papeis esperados por cada um, sem indagações ou restrições e Isabelle parece perceber isso e busca ir além da compreensão racional. 


Não se sabe se foi a experiência de ver a separação dos pais ou perceber antecipadamente as pressões que existem sobre o gênero feminino um possível estopim de seus atos, talvez a simples percepção das restrições absurdas sobre seu sexo, proibindo-lhe de utilizá-lo sem rótulos, a tenha desafiado ir contra eles. E o primeiro adjetivo a cair é o de virgem; sua primeira experiência sexual é seca, física, sem qualquer emoção envolvida, a experiência pela experiência, resumindo, masculinizada.  Isabelle salta todo o drama e pressão que a cultura designa ao gênero feminino, de um prazer obrigatoriamente relacionado a ligações sentimentais, como sua melhor amiga retrata. Ao homem permite-se o sexo pelo simples prazer do ato, à mulher o prazer sexual deve vir imbuído de paixão e entrega, caso contrário, se ela quiser o gozo no mesmo patamar físico que o homem consegue só restará um rótulo para ela, o de prostituta.
  
     
No entanto, a escolha da prostituição não surge como um grito de revolta e sim de poder. Infelizmente nossa cultura não ensina e muito menos acolhe mulheres que busquem seu prazer, e, na minha leitura do filme, Isabelle sabe disso. Prostituir-se para ela é exercer o poder de tudo que a natureza lhe deu ao ser fêmea; cobrar por isso seria uma busca de balancear um jogo de regras e valores. A ilusão é daquele que se acha dominador, mas em um contexto onde não há viés para abusos sociais, Isabelle é quem dita às regras, seu corpo tem um preço e um tempo delimitado para uso. Se existe um vazio pós-coito, todos são expressos pelos frustrados homens que passam por usas mãos: o casado infiel, o fetichista e o senhor, que no fim da vida, se apaixona pelo alvorecer da sua juventude. Cobrar é uma forma de a protagonista sentir e mostrar quem tem poder, apesar de a prostituição ser uma linha tênue para isso, porém o fato só coloca em perspectiva quem é que dita as regras. 

O resultado, sutil, é aquela que só a ação além da inércia pode proporcionar àqueles que ousam além dos papeis sociais impostos. A primeira está no sepultamento da imagem materna: Isabelle é uma desconhecida para a mãe, no entanto, a jovem parece enxergar os pensamentos da progenitora, algo que causa espanto na mesma. Já para o namorado de Isabelle, ela é uma incógnita. No seu desespero de macho, não há meios de surpreender uma pessoa, na cama ou fora dela, que sabe tudo sobre como manipular os corpos e os sentidos. O embate final, entre Isabelle e uma das mulheres traídas, não aponta culpados, mas um vencedor.

No fim, François Ozon criou um filme sobre a descoberta da sexualidade e dos prazeres e dissabores da vida do que convencionamos chamar de jovem-adulto. Ao contrário dos diversos filmes juvenis com experiências transbordando drama e paixão, onde suas vidas são folhas soltas no rio do destino, em Jovem & Bela temos uma adolescente que decide ter a razão no comando. Cobaia de suas próprias experiências ela aprende, com o racionalismo de xadrezista, como funciona sua mente e, principalmente, a do outro. E isso tem um preço que não é moralista e sim, receoso. Ao ter seus atos descobertos, todos à sua volta ficam com medo, medo este que pode envolver o telespectador ao final, que procura respostas e não encontra... e não vai encontrar enquanto estiverem perguntando-se: por quê?

TRAILER LEGENDADO> JOVEM E BELA