Autora> Kelly
Bryson
Editora> Madras302 p.
"A força é a substituta universal da verdade. A
necessidade de controlar os outros se origina da falta de poder, assim como a
vaidade provém da falta de autoestima. A punição é uma forma de violência, uma
substituta ineficaz do poder."
Opinião> Quantas vezes ao dia se colocam as máscaras de
simpatia, bondade e solidariedade para com os outros, quando lá no fundo, na
verdade, a pessoa queria estar fazendo o contrário? Por que é mais fácil falar
um "sim" a contragosto do que um "não" espontâneo? Sem
contar as várias situações onde se é "pressionado" a ceder
continuamente - no emprego, com o chefe, no lazer, com os amigos e em casa, com
a família. E aqui se podem enumerar vários exemplos, dos aparentemente
inofensivos, como quando a amiga, que está um pouco acima do peso, pergunta se
está gordinha e o interlocutor, não querendo perder a amizade, diz que ela está
ótima, até às mais drásticas, quando o relacionamento termina e uma das partes
não sabe onde errou porque sempre fez 'tudo certo'. Com certeza as situações
citadas são familiares em algum grau para qualquer pessoa; no entanto, as
diversas formas de se encarar estas situações é que faz toda a diferença. E,
geralmente, os estragos que uma palavra mal dita causa, podem ser contornadas
com mudanças de atitudes sutis que traz um grande diferencial para todos. Esta
é a proposta do livro “Não
Seja Bonzinho, Seja Real - Como equilibrar a paixão por si com a compaixão
pelos outros”, do terapeuta americano Kelly
Bryson.
Mais do que um "livro de receitas"
comportamentais e longe de ser um daqueles monólogos de autoajuda, Kelly Bryson traça detalhadamente um perfil que não
é somente fácil de verificar em várias pessoas próximas como também é visível
na nossa personalidade. Em uma de suas listas de identificação, o leitor poderá
descobrir se está seguindo os passos para o Autossacrifício (ou, como ele diz ironicamente, como
tornar-se um capacho) enumerando, entre outras características, as seguintes:
1.
Ouve mais do
que gostaria;
2.
Faz o possível
para evitar que os outros pirem;
3.
Trabalha para
ganhar a vida em vez de tentar descobrir como divertir-se trabalhando.
É claro que o intuito disso tudo não é demonstrar os
malefícios da bondade, e sim os efeitos que ela traz quando não mensurada
conscientemente aos limites de cada indivíduo. Se as pessoas são sempre
solícitas, talvez, o que move as suas ações não seja a vontade de ajudar,
independente de recompensas e agradecimentos, e sim o medo inconsciente de
magoar o outro e suas expectativas. Para o terapeuta, em um curto prazo essa
desonestidade com os próprios anseios pode levar o indivíduo a descontar sua
frustração em outras pessoas (que muitas vezes nem estão relacionadas com o
problema) e a longo prazo pode consciente ou inconscientemente escolher outra
opção mais destrutiva: o próprio corpo - através de vícios ou doenças.
Tudo começa na infância
Quando uma criança faz uma boa ação, como realizar as
tarefas da escola ou lavar o carro no final de semana, naturalmente os pais
podem recompensá-lo por sua boa vontade, porém, quando o inverso acontece
ninguém vai reprimir o pai ou a mãe de castigar essa criança travessa. Jean
Piaget já afirmava que "a punição torna impossível a autonomia da
consciência", e segundo Alfie Kohn, autor do livro Beyond Discipline: From
Compliance to Community (Além da Disciplina: da Complacência à comunidade) os
efeitos repercutem na idade adulta "destruindo qualquer relacionamento
respeitoso e amoroso entre o adulto e a criança e retardam o processo do
desenvolvimento ético". E a sedução por recompensa também não é uma
atitude louvável, principalmente se a criança começa a barganhar seus deveres
morais e éticos por prêmios. Em uma interessante analogia, Kelly Bryson diz que
castigos e recompensas são como beber água salgada, "dá um alívio a curto
prazo, mas a longo prazo piora tudo."
O livro “Não Seja Bonzinho” aborda outro paradigma na
estruturação da personalidade na infância: o uso do poder dos pais para exigir
determinados comportamentos dos seus filhos. O oposto do amor não é o ódio, mas
o medo, e o respeito pela autoridade advém do medo das consequências por não
cumprir as regras, quando o que deveria ser cultivado era o respeito verdadeiro
advindo de uma natural 'reverência amorosa', ou seja, a bondade inerente da
personalidade do individuo, sem afetações externas.
A Comunicação Não Violenta
A cada capítulo, Bryson inquire o leitor sobre os seus
comportamentos guiando-o para o papel de observador. Ao distanciar-se das ações
como sujeito, tornando-se objeto de análise, fica mais fácil reconhecer vários
modelos de ações e reações em sua grande maioria automáticas, para não dizer
irracionais. Um dos primeiros passos para sair do estado de “vitimização” é
reconhecer que o sofrimento não é causado pelo outro, mas pelas carências
pessoais não supridas. Segundo o terapeuta, a técnica de Comunicação Não
Violenta (CNV) seria uma das formas do indivíduo respeitar o espaço do outro
sem que este invada o seu espaço.
Segundo o autor, “é melhor primeiro ter compaixão e amor
apaixonados por mim e depois tenho compaixão e amor apaixonados quando os
outros piram”. Em sua análise, ceder às vontades e desejos do outro é uma forma
de violência que anula e oprime, levando muitas vezes ao ódio.
“Nessa
cultura educada, o consentimento fingido permeia todas as áreas da vida. Há
pessoas que dizem que irão a um compromisso, mas não aparecem, fazem promessas
e depois as quebram e fingem ouvir, mas mentalmente estão em outro lugar.”
Para que a CNV ocorra de maneira natural é necessário duas
características essenciais: presença e assertividade. Assim, da próxima vez que
aquela amiga lhe perguntar sobre o peso dela, você não precisa mentir, dizendo
que ela está ótima ou ser maldoso e chamá-la de gorda. Olhe para ela e diga o
quanto gosta dela e que você está preocupado com sua saúde. Mostre empatia com
sinceridade e não simpatia por dever. “Não Seja Bonzinho, Seja Real” demonstra
que entre a guerra dos extremos do cotidiano, às vezes, é melhor pegar o
caminho do meio.
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